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Serra da Barriga e o patrimônio histórico na zona da mata alagoana


Foto: Ana Lorena Paiva

Localizada no município de União dos Palmares, interior de Alagoas, a Serra da

Barriga é um destino turístico e cultural, onde é possível encontrar espécies variadas da

fauna e flora da região, resguardadas principalmente devido ao difícil acesso e esforço

de preservação do ambiente pela Fundação Cultural Palmares.

O local tem ainda um importante valor para a história do Brasil, já que foi palco de resistência contra a escravidão e sinônimo de luta quando, há mais de 300 anos, abrigou o Quilombo dos

Palmares – o maior e mais importante quilombo do país –, e seu líder, Zumbi, guerreiro

destemido que lutou pela liberdade dos negros e pela prática da cultura africana na

época do Brasil Colônia.

A visitação a Serra da Barriga e ao Parque Memorial Zumbi dos Palmares é algo

que deve ser feito sem pressa, aproveitando cada instante do passeio e absorvendo toda

a atmosfera do local, que além de contar com belas paisagens – mostrando a abundância

da natureza no interior alagoano, resgata a influência da cultura negra, onde é possível

sentir a força e a importância daquela região, lugar em que milhares de escravos negros,

após fugirem, se abrigaram e puderam cultivar suas raízes africanas, exercendo suas

crenças e expressões culturais, lutando contra a dominação dos homens brancos: ricos,

fazendeiros, possuidores de grandes extensões de terra e pretensos “donos” de seres

humanos.

A área, que tem aproximadamente 28 km quadrados, faz parte do Planalto

Meridional da Borborema e no ano de 1985, foi tombada pelo Instituto do Patrimônio

Histórico Artístico e Nacional, o IPHAN, como Patrimônio Histórico, Arqueológico,

Etnográfico e Paisagístico do Brasil.

Foto: Ana Lorena Paiva

Em 1998, a Fundação Cultural Palmares recebeu da Secretaria do Patrimônio da União Federal uma certidão, na qual fica registrado que é de sua responsabilidade a manutenção e preservação do sítio histórico da Serra da Barriga.

O local também é candidato a Patrimônio Cultural do Mercado Comum do Sul

(Mercosul). A candidatura se inclui no projeto La Geografía del Cimarronaje: Cumbes,

Quilombos y Palenques del MERCOSUR, junto de Equador e Venezuela, países que

também possuem sítios importantes para a valorização da contribuição africana na

América do Sul. A proposta será avaliada no final de 2016.

O pico da Serra da Barriga fica a cerca de nove quilômetros da cidade de União

dos Palmares. Sua estrada é sinuosa e conduz os visitantes através de belíssimos

cenários naturais de mata fechada e verdejante. O percurso exige muita atenção do

condutor, que deve dirigir com prudência, entretanto, todo esforço é recompensado diante da

vista de perder o fôlego que se descortina a cada curva da serra.

Na chegada ao quilombo, situado no Parque Memorial Zumbi dos Palmares, na

Serra, os visitantes necessitam atravessar uma muralha protegida por uma torre de vigilância

e se deparam com uma mensagem na entrada, a frase “Oku Abo” (bem-vindos) – já na

saída, a frase de despedida é “Olorum Kolofé Axé” (Deus te abençoe e te dê força) – e

logo após essa passagem é possível chegar ao local onde estão as construções feitas de

pau a pique, que têm teto de cobertura vegetal e representam as edificações originais do

quilombo.

Foto: Ana Lorena Paiva

Nos arredores, os mirantes são pontos que também chamam a atenção dos turistas,

com vistas privilegiadas e ampliadas de grande parte da região, que conta com a Lagoa

Encantada dos Negros, nascente que possui uma antiga árvore gameleira. Os quilombolas

costumavam se banhar nas águas dessa lagoa, saciavam sua sede e repousavam no local,

onde afiavam suas ferramentas e armas e recarregavam as energias. O sítio arqueológico do

quilombo teve algumas de suas construções reconstituídas, visando recuperar aspectos

culturais e históricos da comunidade e de sua população.

Se a cultura africana chama a atenção para o local, outros são conquistados pela

natureza, como a estudante do ensino médio Gabriella Santos, 16, que ficou deslumbrada

com a vegetação. “Aqui tem muita fruta, tem pé de goiaba, de laranja, bananeira, jaqueira,

tem catolé, babaçu, mangueiras, muito verde e várias nascentes e conheço tudo porque

minha vó é daqui e sempre falou muito disso”, explicou.

Herança do quilombo

No século 16, Aqualtune – princesa no Congo, escrava no Brasil – mãe de

Ganga-Zumba e avó materna de Zumbi dos Palmares, ocupou a Serra da Barriga e

estabeleceu o que viria a ser a mais famosa comunidade quilombola do Brasil. Estima-

se que em 1670, cerca de 20 mil escravos fugidos vivam no local, sobrevivendo da

pesca, caça, coleta de frutas e agricultura.

Ganga- Zumba, um de seus filhos, e posteriormente, Zumbi, seu neto, lutaram

com bravura e determinação para que os negros deixassem a condição de escravos e

pudessem manter suas identidades culturais, uma vez que já haviam sido espoliados de

quaisquer bens materiais que possuíssem, bem como do direito de viver em seus locais

de nascimento, em liberdade.

A queda do quilombo, no ano de 1695, resultou na dispersão dos negros

sobreviventes, e segundo lendas do povo local, a comunidade do Muquém – que em

2005 foi reconhecida como comunidade quilombola – em União dos Palmares, surgiu

através de cinco irmãs que desceram a Serra da Barriga e se estabeleceram na área

próxima ao rio Mundaú, onde escondidas dos homens brancos, permaneceram por toda

a vida na região.

Foto: Ana Lorena Paiva

Atualmente, 16 famílias que descendem dos quilombolas vivem dentro do Parque

Quilombo dos Palmares, em plena harmonia com a natureza e estabelecendo uma

importante relação com a preservação ambiental exigida no local. As famílias passaram

por um processo de conscientização e só podem retirar qualquer coisa da mata após

receber permissão.

As moradias em que vivem, construídas com barro, pouco a pouco estão sendo

substituídas por casas de alvenaria, mantendo o estilo simples e característico das

construções originais. A medida visa evitar o surgimento do mosquito barbeiro e, como

consequência, a chance do surgimento da doença de chagas, algo muito comum nas

regiões quilombolas.

Uma das moradoras mais ilustres da região é a dona Irinéia da Silva, 67, artesã

de cerâmica, descendente dos quilombolas e moradora do povoado do Muquém. Desde

2005, faz parte do Registro do Patrimônio Vivo de Alagoas e suas peças constam nos

catálogos de cultura popular produzidos pelo Ministério da Cultura, um trabalho que foi

iniciado com a produção de cabeças de barro, para auxiliar na renda da família e hoje a

tornaram uma das melhores e mais conhecidas artesãs do estado.

A arquiteta maranhense Deyse Nascimento, 44, visitou a cidade palmarina

especialmente para conhecer dona Irinéia e adquirir algumas peças que serão utilizadas

em seus trabalhos futuros. “As esculturas têm um quê de diferente, dão um ar de

simplicidade aliada a técnica. Já tinha visto fotos pela internet e como estou de férias em

Alagoas, decidi aproveitar e ver de perto esse trabalho”, explica.

Semana da consciência brasileira

Na língua banta – da família linguística nigero-congolesa – “quilombo” significa

um lugar seguro e tranquilo para pernoitar, usado por comunidades nômades, que

estivessem se deslocando para locais distantes. E foi nessa tranquilidade da cidade de

União dos Palmares que houve a formação do quilombo mais conhecido da história

brasileira, famoso por seus líderes, suas batalhas e toda representatividade por trás de

sua resistência.

Instituído em 20 de novembro, aniversário da morte de Zumbi, o feriado do Dia

Da Consciência Negra visa resgatar os valores do povo que auxiliou na construção do

Brasil, e que embora forçados, nos deram mostras de coragem e força, sem deixar de

lado suas raízes, respeitando seus ancestrais e lutando para poder expressar sua cultura e

costumes.

Foto: Ana Lorena Paiva

Nesse período, a cidade no interior de Alagoas torna-se palco de uma das

maiores festas dedicadas a cultura negra no país. A Fundação Palmares é responsável

por organizar atividades ao longo de toda a semana do dia 20 de novembro, visando a

disseminação da cultura negra, resgate de suas origens, bem como a importância do

movimento negro nos dias atuais. Essa data representa a consolidação do esforço do

Movimento Negro Brasileiro e foi adicionada ao calendário nacional como forma de

reconhecimento.

O Parque Memorial recria o ambiente da República dos Palmares e é o palco

principal de toda a programação da semana da consciência negra, onde ocorrem os

maiores festejos em prol, não apenas da cultura africana, mas também a favor da

humanidade e liberdade de todos. Na semana de comemorações, ocorrem inúmeras

atividades culturais, que conta com um culto africano, além de cortejos, rodas de

capoeira e homenagens ao povo originário da África.

No topo da Serra, é possível encontrar durante a comemoração, estandes com

diversas palestras, barracas de artesanato com itens da cultura africana, além das

deliciosas comidas típicas, feitas pela Mãe Neide, que administra o restaurante Baobá (a

imensa árvore africana) – batizado dessa maneira como uma forma de homenagear e

honrar sua cultura e seus ancestrais.

O maior desafio para se chegar ao festival cultural é a única estrada que permite

o acesso ao local. Toda de barro, a via fica praticamente intransitável após as chuvas e o

risco de os veículos atolarem é muito grande. Após reivindicarem por anos a

pavimentação da estrada, os moradores estão prestes a ver as promessas saírem do

papel. Após inúmeras críticas, durante a passagem da tocha olímpica pelo local, as

autoridades entraram com uma licitação para que a obra seja realizada.

Entre visitantes brasileiros e estrangeiros, o turismo é constante, mas o número ainda

é inferior ao esperado. O advogado Rodrigo Souto, 37, morador de Curitiba (PR), afirma que

o local tem história interessante, belas paisagens, mas a estrutura para receber turistas é

precária. “Tive muita dificuldade para achar o local, porque se você pergunta onde é o

Parque Memorial Zumbi dos Palmares, quase ninguém sabe informar, precisa perguntar

sobre a Serra da Barriga, aí todo mundo responde. E a estrada para chegar aqui é muito ruim,

até desanima um pouco”, lamenta o curitibano.

Foto: Ana Lorena Paiva

Embora os habitantes da cidade reconheçam a importância dos fatos ocorridos

há mais de 300 anos, a própria comunidade não valoriza esse legado. As novas gerações

mostram pouco ou nenhum interesse pelas tradições africanas e pela herança

conquistada pelos heróis do quilombo. A falta de reconhecimento e identificação da

cultura negra, não apenas em União dos Palmares, mas em todo o Brasil, mostra a triste

realidade que assola o país, onde a cada dia perde-se o contato com suas raízes e legado

cultural e histórico.

Como uma homenagem ao famoso líder, por todo o município estão espalhadas

inúmeras estátuas de Zumbi, entretanto, apenas as escolas da comunidade quilombola

lembram regularmente de sua história, e nas escolas das regiões centrais da cidade, a

história do guerreiro não faz parte da grade curricular e é ensinada de forma superficial,

estando presente apenas em feiras e comemorações da Semana da Consciência Negra.

Em discurso na Câmara, o ex-deputado Paulão (PT) afirmou que o memorial

conta com todos os requisitos para se tornar um importante ponto de peregrinação,

“meca” da cultura negra. “É o único parque temático sobre esse assunto no Brasil. Seus

roteiros envolvem etnia, ecologia, aventura, observação de aves, artesanato e culinária”,

afirmou na ocasião.

Mesmo com todas as dificuldades e problemas, as pessoas engajadas na causa

não desanimam, a luta continua e o interesse e visitação são bem-vindos,

independentemente de suas motivações. As expectativas são que com a obra, o

Memorial passe a receber mais turistas e que a cultura negra ganhe cada vez mais

espaço e visibilidade, nacionalmente e mundialmente, mas num primeiro momento, na

terra que tem tantas histórias de luta para contar, sinônimo de resistência e bravura,

herança de um povo forte e determinado.


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